A
oposição na ofensiva
O PT vem enfrentando um
difícil momento em 2012. Uma volumosa ofensiva da oposição capitaneada pela
mídia privada vem utilizando-se especialmente do julgamento do chamado “mensalão”,
ocorrido durante as eleições desse ano, para tentar criminalizar o PT
desenhando-o como “o” partido corrupto brasileiro, que teria como única meta a
realização de um projeto de poder através do aparelhamento do Estado nacional.
A intenção, dissimulada, é, na impossibilidade de derrotar o projeto de centro
esquerda liderado pelos petistas nas urnas em condições normais, ir “sangrando”
o PT e suas lideranças, notadamente Lula, até que, suficientemente
desmoralizado e com capital político debilitado, o partido, no mínimo, perca
competitividade eleitoral.
Há também outro
processo estratégico além da desconstrução do PT. Paralelo a isso, existe a
sedimentação de uma “construção do pós-PT”. O petismo/lusismo agora associado
ao corrupto, ao ultrapassado e carcomido patrimonialismo brasileiro é
confrontado com o “novo”, os modernos gerentes da máquina publica que levarão o
país à gradual superação de uma “degeneração política e ineficiência trazida
pelo PT”.
Começam a surgir lideranças
“novas” nas análises políticas dos grandes meios de comunicação. E o “auê” em
relação a essas lideranças exatamente no mesmo período do auge do desgaste do
PT não é coincidência. A mesma imprensa que se nega sistematicamente a elogiar
o governo federal (pelo contrario, tenta a todo tempo minimizar seu sucesso massificando
o discurso do “papel central” do governo FHC e da boa fase do mercado
internacional na era Lula), é a que rasga abertos elogios ao governador
pernambucano, por exemplo, elevado agora à condição de grande gestor do país.
Dividir a base aliada com a candidatura “socialista” e quem sabe o rompimento
do PMDB, faz parte do jogo. Os dois processos (desconstrução do PT e construção
do pós-PT – viabilização de Aécio) se dão paralelamente.
Tal ofensiva ocorre no
ano em que o governo petista tendeu a lentos avanços no projeto de centro
esquerda iniciado por Lula. A presidente Dilma, ao fortalecer o papel do Estado no jogo econômico (notadamente na questão de redução dos juros
bancários e dos lucros do setor energético a serem convertidos em baixas
tarifas) torna clara a intenção de prosseguir a inversão ou, ao menos, o
estancamento do processo econômico e político iniciado por Collor e que teve
seu apogeu com FHC. Esse encaminhamento não é o desejado pelos grupos
econômicos que literalmente sustentam a oposição (basicamente o grande
monopólio das mídias privadas e setor financeiro). O PT, para esses, já esgotou
seu papel no governo: trazer para o consumo e para os bancos a classe popular.
A partir desse ponto os avanços precisam ser dados a partir de outra
perspectiva.
Mas, isso não se esgota
no plano nacional. A presidente Dilma vem liderando a América latina e dando eco a um discurso contrario
àquele das grandes potencias europeias em relação à crise. Grande parte da Europa,
notadamente sob o comando da Alemanha, vem apostando numa
inflexão à direita para superar a crise. A palavra de ordem é a liberdade aos
mercados e as políticas de austeridade e recessão que geram, entre outras
coisas, desemprego. O governo brasileiro, que agora tem muito mais peso no
cenário internacional e, portanto, é um ator mais estratégico, vem indicando o
contrario: é preciso fortalecer o Estado e apostar no crescimento e na geração
de empregos.
Os discursos e os
projetos são destoantes e causam, no mínimo, desconforto. Importantes lideranças
da centro esquerda europeia, como o presidente socialista francês Hollande, que
convidou Dilma e Lula para dar, digamos, dicas sobre como o modelo brasileiro
está superando a crise, passam a considerar o nosso “remédio”. Não causa espanto,
dessa forma, que um jornal britânico tenha criticado duramente a política
econômica “intervencionista” do governo Dilma, numa mostra inequívoca do
posicionamento político dos grandes meios de comunicação privados, chegando ao
ponto de sugerir a demissão do ministro da fazenda, Guido Mantega. O mesmo
jornal alias, que meses atrás “levantou a bola” do governador de Pernambuco
afirmando que ele seria uma alternativa ao governo Dilma.
Ou seja, se antes o
projeto e o discurso do PT era tolerado pelos ganhos econômicos que gerou ao aumentar o potencial do
mercado brasileiro, ele agora se torna indesejável, pois se prospecta, mesmo
que ainda acanhadamente, para alem dessa primeira transformação econômica que
operou. Com mais 4, 8 ou 16 anos de PT no poder o projeto ainda tímido de
mudança via esquerda que ele lidera na America do Sul pode tomar proporções
indesejadas. É preciso derrotá-lo o quanto antes.
E quando falo em
“projeto tímido de mudança à esquerda”, quero deixar claro que, apesar de
discordar de interpretações via PSOL de que o governo petista não significa
mudança nenhuma, aceito o argumento segundo o qual o pacto que o PT precisou
fazer com setores conservadores tornou mais lento do que seria necessário o
processo de mudanças sociais que o
partido prometeu ao país desde 1980. Elas estão ocorrendo, mas muito
lentamente, ao menos a partir de uma perspectiva de reformismo mais forte à
esquerda.
Além da continuidade da
política de fortalecimento do estado e regulação do mercado, para esse projeto
de mudanças é preciso avançar em reformas mais estruturantes social e
democraticamente, como a política, tributaria e dos meios de comunicação. Sendo
lideradas por um PT em crescente popularidade, dirigido por um político
mitificado nos cantões do país (Lula) essas reformas poderiam levar à ampliação
das possibilidades de participação popular, no caso da primeira, à taxação menos
condescendente das fortunas na segunda e à temida desconcentração da
propriedade dos meios de comunicação na terceira.
Para os que se alinham
mais à esquerda em relação ao PT, tais encaminhamentos para essas reformas por
parte de governos petistas parecem improváveis. Mas para os alinhados às elites
econômicas, isso pertence ao reino do possível. A mera possibilidade, para quem
se acostumou a séculos de monopólio da autoridade sobre os caminhos políticos
do país, torna imperativa uma reação. E aí se mostra importante não só uma derrota
eleitoral do PT (Dilma) e de Lula, mas sua inviabilização política via uma
desmoralização publica que os diminuam enquanto potenciais lideranças a
capitanear ou ao menos encaminhar em médio prazo tais mudanças. É um confronto aberto,
embora não assumido por alguns atores, entre
um projeto de centro direita, que tem a seu favor os grandes meios de comunicação
(o que não é pouca coisa), e um de centro esquerda.
Enfim, o ataque ao PT
se dá num contexto onde é preciso estancar o projeto de centro esquerda que
ainda não é, mas pode tornar-se um empecilho mais grave aos interesses das
elites econômicas. A discussão implícita no debate é essa, embora ao cidadão
distante da disputa política o noticiário pareça apresentar apenas noticias
rotineiras, desinteressadas e que trazem à tona a verdade das coisas. Não quero
dizer com isso que o PT deva ser poupado
de seus escândalos, ou que o partido não deva fazer uma necessária autocrítica.
Apenas atento para o fato de que a desproporcionalidade na divulgação dessas
noticias, sua analise direcionada e pouco plural e seu uso enviesado
politicamente se dão, contrariando o papel das comunicações na formação democrática
da opinião publica, de maneira, no mínimo, inaceitável. Há uma clara
manipulação em favor de interesses econômicos privados. Esse não é o papel das
comunicações.
Qual contra ofensiva?
Diante desse cenário,
como proceder na reação ao impulso dos setores conservadores? Em 2005, quando
da primeira grande crise política do PT (vivemos hoje a segunda), o governo
conseguiu sucesso por contar com um cenário econômico internacional favorável ao
crescimento, o que lhe deu condições de implementar o projeto petista de
fortalecimento econômico das camadas mais baixas, projeto sem o qual o cenário
favorável poderia levar a outros caminhos. Foram essas camadas que nos
“socorreram” naquela crise. Em 2012, no entanto, o cenário econômico já não é
tão favorável. Estamos ainda passando pela pior crise dos últimos 80 anos no
mundo. Esse cenário se apresenta, portanto, como mais delicado e requer a
mobilização de mais forças.
Penso então que nos
cabe nesse momento ampliar a estratégia. Precisamos, sim, continuar apostando
no crescimento e no alargamento do potencial de consumo da classe popular via o
pacto com alguns setores conservadores, como o empresariado produtivista (estimulo
à industria) que pode cindir a elite se contrapondo em alguma medida ao o setor
rentista (financeiro) para gerar crescimento, emprego e bem estar social. Mas a
isso precisamos agregar aquilo que nos vem faltando: os aliados tradicionais do
PT, conquistados através da politização e ideologização do processo político. Precisamos
encontrar uma maneira de não promover a ruptura com alguns setores
conservadores interessados no processo econômico que lideramos ao mesmo tempo
em que defendamos o avanço do processo político em direção às reformas
progressistas.
Ou seja, devemos começar a articular uma maior aproximação com os setores progressistas da
sociedade, interessados nas reformas mais amplas, porem distantes dos petistas
por varias razões. Precisamos, portanto, unir ao capital político que temos junto
à classe mais pobre, conquistado a partir da aliança com alguns setores
conservadores, o apoio da classe media
progressista formadora de opinião e de parcela da classe trabalhadora, ávidas
por maiores mudanças, mas cismadas com o silencio do PT em relação à necessidade
das mesmas. Precisamos liderar uma agenda de reformas para o país. E devemos
fazer isso, no mínimo, já no segundo mandato de Dilma (ou primeiro do segundo
governo Lula, caso haja novidades para 2014).
Dito de outra forma: ser pragmático agora é
voltar a ser ideológico. O tipo de pragmatismo que pelos seus resultados nos
salvou em 2005, embora continue sendo importante, pode já não ser mais
suficiente para salvar nosso projeto em 2012. É chegada a hora de alargar
nossas intenções transformadoras e liderar, no discurso e na pratica, a
promoção de não apenas um neoliberalismo no cabresto, mas um caminho para um possível
estado de bem estar que realizaria a nossa constituição de 1988, enquanto o
liberalismo mais acentuado procura relativiza-la.
Esse é o processo que
nos interessa. Se ficarmos apenas dando demonstrações publicas de
descontentamento em relação ao STF ou criticando publicamente a imprensa (duas
instituições que tem a confiança de parcela significativa da população)
estaremos desperdiçando energia. Nossa contra ofensiva não deve ser essa. Ela
deve ser a mobilização da sociedade, como sempre fizemos, em torno de bandeiras
criveis e necessárias.
Melhor que apenas
criticar a imprensa é liderar um debate amplo com a sociedade, chamando
partidos progressistas, inclusive os críticos como o PSOL, os movimentos
sociais e outros setores para viabilizar a reforma da legislação das
comunicações. Mais inteligente que apenas criticar o julgamento do "mensalao" (e
ele merece criticas mesmo), é mobilizar a sociedade para um amplo debate sobre uma
reforma política que mude as regras do jogo eleitoral e amplie, como sempre defendeu a esquerda, as possibilidades
de participação pela população, reaproximando-a da política.
Enfim, acredito que
ficar como estamos, apenas contestando, faremos o jogo da oposição (mídia, partidos, setores econômicos).
Continuar assim é como ficar batendo contra a parede.
Escolhamos o caminho
mais difícil, o da politização e mobilização. Escolhamos voltar a ser o PT das
grandes reformas estruturantes.
Escolhamos mudar para
continuar sendo os mesmos.