sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Cotra ofensiva: ser pragmático agora é ser ideológico.


A oposição na ofensiva
O PT vem enfrentando um difícil momento em 2012. Uma volumosa ofensiva da oposição capitaneada pela mídia privada vem utilizando-se especialmente do julgamento do chamado “mensalão”, ocorrido durante as eleições desse ano, para tentar criminalizar o PT desenhando-o como “o” partido corrupto brasileiro, que teria como única meta a realização de um projeto de poder através do aparelhamento do Estado nacional. A intenção, dissimulada, é, na impossibilidade de derrotar o projeto de centro esquerda liderado pelos petistas nas urnas em condições normais, ir “sangrando” o PT e suas lideranças, notadamente Lula, até que, suficientemente desmoralizado e com capital político debilitado, o partido, no mínimo, perca competitividade eleitoral.

Há também outro processo estratégico além da desconstrução do PT. Paralelo a isso, existe a sedimentação de uma “construção do pós-PT”. O petismo/lusismo agora associado ao corrupto, ao ultrapassado e carcomido patrimonialismo brasileiro é confrontado com o “novo”, os modernos gerentes da máquina publica que levarão o país à gradual superação de uma “degeneração política e ineficiência trazida pelo PT”.

Começam a surgir lideranças “novas” nas análises políticas dos grandes meios de comunicação. E o “auê” em relação a essas lideranças exatamente no mesmo período do auge do desgaste do PT não é coincidência. A mesma imprensa que se nega sistematicamente a elogiar o governo federal (pelo contrario, tenta a todo tempo minimizar seu sucesso massificando o discurso do “papel central” do governo FHC e da boa fase do mercado internacional na era Lula), é a que rasga abertos elogios ao governador pernambucano, por exemplo, elevado agora à condição de grande gestor do país. Dividir a base aliada com a candidatura “socialista” e quem sabe o rompimento do PMDB, faz parte do jogo. Os dois processos (desconstrução do PT e construção do pós-PT – viabilização de Aécio) se dão paralelamente.

Tal ofensiva ocorre no ano em que o governo petista tendeu a lentos avanços no projeto de centro esquerda iniciado por Lula. A presidente Dilma, ao fortalecer o papel do Estado no jogo econômico (notadamente na questão de redução dos juros bancários e dos lucros do setor energético a serem convertidos em baixas tarifas) torna clara a intenção de prosseguir a inversão ou, ao menos, o estancamento do processo econômico e político iniciado por Collor e que teve seu apogeu com FHC. Esse encaminhamento não é o desejado pelos grupos econômicos que literalmente sustentam a oposição (basicamente o grande monopólio das mídias privadas e setor financeiro). O PT, para esses, já esgotou seu papel no governo: trazer para o consumo e para os bancos a classe popular. A partir desse ponto os avanços precisam ser dados a partir de outra perspectiva.

Mas, isso não se esgota no plano nacional. A presidente Dilma vem liderando a América latina e dando eco a um discurso contrario àquele das grandes potencias europeias em relação à crise. Grande parte da Europa, notadamente sob o comando da Alemanha, vem apostando numa inflexão à direita para superar a crise. A palavra de ordem é a liberdade aos mercados e as políticas de austeridade e recessão que geram, entre outras coisas, desemprego. O governo brasileiro, que agora tem muito mais peso no cenário internacional e, portanto, é um ator mais estratégico, vem indicando o contrario: é preciso fortalecer o Estado e apostar no crescimento e na geração de empregos.

Os discursos e os projetos são destoantes e causam, no mínimo, desconforto. Importantes lideranças da centro esquerda europeia, como o presidente socialista francês Hollande, que convidou Dilma e Lula para dar, digamos, dicas sobre como o modelo brasileiro está superando a crise, passam a considerar o nosso “remédio”. Não causa espanto, dessa forma, que um jornal britânico tenha criticado duramente a política econômica “intervencionista” do governo Dilma, numa mostra inequívoca do posicionamento político dos grandes meios de comunicação privados, chegando ao ponto de sugerir a demissão do ministro da fazenda, Guido Mantega. O mesmo jornal alias, que meses atrás “levantou a bola” do governador de Pernambuco afirmando que ele seria uma alternativa ao governo Dilma.

Ou seja, se antes o projeto e o discurso do PT era tolerado pelos ganhos econômicos que gerou ao aumentar o potencial do mercado brasileiro, ele agora se torna indesejável, pois se prospecta, mesmo que ainda acanhadamente, para alem dessa primeira transformação econômica que operou. Com mais 4, 8 ou 16 anos de PT no poder o projeto ainda tímido de mudança via esquerda que ele lidera na America do Sul pode tomar proporções indesejadas. É preciso derrotá-lo o quanto antes. 

E quando falo em “projeto tímido de mudança à esquerda”, quero deixar claro que, apesar de discordar de interpretações via PSOL de que o governo petista não significa mudança nenhuma, aceito o argumento segundo o qual o pacto que o PT precisou fazer com setores conservadores tornou mais lento do que seria necessário o processo de  mudanças sociais que o partido prometeu ao país desde 1980. Elas estão ocorrendo, mas muito lentamente, ao menos a partir de uma perspectiva de reformismo mais forte à esquerda.

Além da continuidade da política de fortalecimento do estado e regulação do mercado, para esse projeto de mudanças é preciso avançar em reformas mais estruturantes social e democraticamente, como a política, tributaria e dos meios de comunicação. Sendo lideradas por um PT em crescente popularidade, dirigido por um político mitificado nos cantões do país (Lula) essas reformas poderiam levar à ampliação das possibilidades de participação popular, no caso da primeira, à taxação menos condescendente das fortunas na segunda e à temida desconcentração da propriedade dos meios de comunicação na terceira.

Para os que se alinham mais à esquerda em relação ao PT, tais encaminhamentos para essas reformas por parte de governos petistas parecem improváveis. Mas para os alinhados às elites econômicas, isso pertence ao reino do possível. A mera possibilidade, para quem se acostumou a séculos de monopólio da autoridade sobre os caminhos políticos do país, torna imperativa uma reação. E aí se mostra importante não só uma derrota eleitoral do PT (Dilma) e de Lula, mas sua inviabilização política via uma desmoralização publica que os diminuam enquanto potenciais lideranças a capitanear ou ao menos encaminhar em médio prazo tais mudanças. É um confronto aberto, embora não assumido por alguns atores,  entre um projeto de centro direita, que tem a seu favor os grandes meios de comunicação (o que não é pouca coisa), e um de centro esquerda.

Enfim, o ataque ao PT se dá num contexto onde é preciso estancar o projeto de centro esquerda que ainda não é, mas pode tornar-se um empecilho mais grave aos interesses das elites econômicas. A discussão implícita no debate é essa, embora ao cidadão distante da disputa política o noticiário pareça apresentar apenas noticias rotineiras, desinteressadas e que trazem à tona a verdade das coisas. Não quero dizer com isso que  o PT deva ser poupado de seus escândalos, ou que o partido não deva fazer uma necessária autocrítica. Apenas atento para o fato de que a desproporcionalidade na divulgação dessas noticias, sua analise direcionada e pouco plural e seu uso enviesado politicamente se dão, contrariando o papel das comunicações na formação democrática da opinião publica, de maneira, no mínimo, inaceitável. Há uma clara manipulação em favor de interesses econômicos privados. Esse não é o papel das comunicações.

Qual contra ofensiva?
Diante desse cenário, como proceder na reação ao impulso dos setores conservadores? Em 2005, quando da primeira grande crise política do PT (vivemos hoje a segunda), o governo conseguiu sucesso por contar com um cenário econômico internacional favorável ao crescimento, o que lhe deu condições de implementar o projeto petista de fortalecimento econômico das camadas mais baixas, projeto sem o qual o cenário favorável poderia levar a outros caminhos. Foram essas camadas que nos “socorreram” naquela crise. Em 2012, no entanto, o cenário econômico já não é tão favorável. Estamos ainda passando pela pior crise dos últimos 80 anos no mundo. Esse cenário se apresenta, portanto, como mais delicado e requer a mobilização de mais forças.

Penso então que nos cabe nesse momento ampliar a estratégia. Precisamos, sim, continuar apostando no crescimento e no alargamento do potencial de consumo da classe popular via o pacto com alguns setores conservadores, como o empresariado produtivista (estimulo à industria) que pode cindir a elite se contrapondo em alguma medida ao o setor rentista (financeiro) para gerar crescimento, emprego e bem estar social. Mas a isso precisamos agregar aquilo que nos vem faltando: os aliados tradicionais do PT, conquistados através da politização e ideologização do processo político. Precisamos encontrar uma maneira de não promover a ruptura com alguns setores conservadores interessados no processo econômico que lideramos ao mesmo tempo em que defendamos o avanço do processo político em direção às reformas progressistas.

Ou seja, devemos começar a articular uma maior aproximação com os setores progressistas da sociedade, interessados nas reformas mais amplas, porem distantes dos petistas por varias razões. Precisamos, portanto, unir ao capital político que temos junto à classe mais pobre, conquistado a partir da aliança com alguns setores conservadores,  o apoio da classe media progressista formadora de opinião e de parcela da classe trabalhadora, ávidas por maiores mudanças, mas cismadas com o silencio do PT em relação à necessidade das mesmas. Precisamos liderar uma agenda de reformas para o país. E devemos fazer isso, no mínimo, já no segundo mandato de Dilma (ou primeiro do segundo governo Lula, caso haja novidades para 2014).

 Dito de outra forma: ser pragmático agora é voltar a ser ideológico. O tipo de pragmatismo que pelos seus resultados nos salvou em 2005, embora continue sendo importante, pode já não ser mais suficiente para salvar nosso projeto em 2012. É chegada a hora de alargar nossas intenções transformadoras e liderar, no discurso e na pratica, a promoção de não apenas um neoliberalismo no cabresto, mas um caminho para um possível estado de bem estar que realizaria a nossa constituição de 1988, enquanto o liberalismo mais acentuado procura relativiza-la.

Esse é o processo que nos interessa. Se ficarmos apenas dando demonstrações publicas de descontentamento em relação ao STF ou criticando publicamente a imprensa (duas instituições que tem a confiança de parcela significativa da população) estaremos desperdiçando energia. Nossa contra ofensiva não deve ser essa. Ela deve ser a mobilização da sociedade, como sempre fizemos, em torno de bandeiras criveis e necessárias.

Melhor que apenas criticar a imprensa é liderar um debate amplo com a sociedade, chamando partidos progressistas, inclusive os críticos como o PSOL, os movimentos sociais e outros setores para viabilizar a reforma da legislação das comunicações. Mais inteligente que apenas criticar o julgamento do "mensalao" (e ele merece criticas mesmo), é mobilizar a sociedade para um amplo debate sobre uma reforma política que  mude as regras do jogo eleitoral e amplie, como sempre defendeu a esquerda, as possibilidades de participação pela população, reaproximando-a da política.

Enfim, acredito que ficar como estamos, apenas contestando, faremos o jogo da oposição (mídia, partidos, setores econômicos). Continuar assim é como ficar batendo contra a parede.

Escolhamos o caminho mais difícil, o da politização e mobilização. Escolhamos voltar a ser o PT das grandes reformas estruturantes.

Escolhamos mudar para continuar sendo os mesmos.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O que resta da oposição


O que resta da oposição no Brasil? Para muitos, resta pouca coisa. Sem encontrar um caminho alternativo para o país que tenha apelo popular enquanto antítese do projeto liderado pelo PT desde Lula, os partidos da oposição parecem ir se inviabilizando com o tempo.

Como apresentar um projeto crível e popular de oposição a outro que foi responsável por fazer o país, de maneira talvez inédita na historia da Republica, aliar crescimento econômico estável a contenção da inflação,  valorização da renda do trabalhador médio, geração massiva de empregos, combate exitoso da pobreza absoluta e fortalecimento das instituições democráticas? Como se opor a um projeto que tirou nada menos que 30 milhões de pessoas da pobreza absoluta na ultima década sem levar o país a nenhum tipo de caos político, social ou econômico?

Essa não é uma tarefa fácil. Não é fácil se opor a uma opção política que contemplou, e continua contemplando, a pauta histórica de avanço do processo civilizatório do país, impossível de ser realizado com uma população antes crescentemente imersa em níveis bárbaros de pobreza e falta de acesso aos direitos sociais mais elementares. Realmente, não é tarefa fácil apresentar algo viável que se contraponha a isso. E essa dificuldade de contraponto só mostra quanto o processo liderado pelo PT foi e continua sendo necessário ao país.

É nesse quadro que a oposição vem tentando encontrar um espaço sem, no entanto, conseguir sucesso. Diante da impossibilidade de atacar de frente o projeto socioeconômico bem sucedido do PT, partem para o discurso da moralidade. O discurso da oposição passou a ser o combate à corrupção. Esse discurso, que coincidentemente (será?) se tornou o tema numero um da grande mídia privada, como se fora o grande único problema sociopolítico a ser enfrentado pelo Brasil nas próximas décadas, vem reduzindo o papel dos oposicionistas a uma espécie de auxiliar nas investigações contra membros do governo.  

Isso é o que resta da oposição no Brasil: um conjunto de poucos partidos com um discurso cada vez mais estreito e sem projeto de país, ou sem condições políticas de tornar claro seu projeto mais liberal de centro-direita, escorados numa grande mídia privada que insiste em colocar-se como “neutra”, apresentando sua posição como sendo a posição da “opinião publica”, fato desmentido a cada novo sucesso eleitoral das forças que compõem o governo. Uma grande mídia que recusa o modelo de centro esquerda liderado pelo PT e defende a volta de um mais acentuado liberalismo de mercado, embora não abra o jogo claramente em relação a esse projeto e use o tema da corrupção como cortina de fumaça.

O oligopólio que constitui a mídia privada nacional, alias, vem se convertendo num verdadeiro lócus de tematização e produção do que ainda resta de discurso para os oposicionistas no país, sempre apoiado numa ideia incompleta de “liberdade de expressão” (na verdade, a liberdade de utilizar concessões públicas, no caso da TV e Radio,  para defender interesses políticos e econômicos nada coletivos).

E nas urnas? PS(D)B?

Acaba de ser divulgada outra pesquisa de intenção de voto para a presidência da republica. Entre os 65% de brasileiros que afirma já ter preferência por nomes para 2014, nada mais nada menos que 70% declararam  preferencia por Lula ou Dilma, do PT . A oposição vem la atrás, com singelo desempenho de  medalhões quase superados, como Serra ,  Alckmin e Aécio, a eterna promessa. Some-se a isso a emergência de novos quadros do PT, como o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, eleito de forma expressiva sobre o PSDB na principal capital do país, o que pode o credenciar, caso faça um bom governo, a ser um futuro presidenciável. O quadro pede acirramento da disputa por parte da oposição (partidos e mídia).

E esse acirramento se mostra através de duas linhas de ação adotadas atualmente pela grande mídia (cabeça e coração da oposição): avançar o discurso de “caça aos corruptos” na direção de lideranças expressivas do projeto hegemônico, especialmente Lula, minando aos poucos sua popularidade e a de Dilma, e viabilizar a criação de um novo líder para o país, capaz de ameaçar ou tencionar a liderança petista nos rumos da economia brasileira.

Nesse contexto, resta à oposição, além da cruzada da moralidade contra Lula e outros, se quiser ser competitiva, fabricar uma liderança que não construa seu discurso a partir da negação do projeto vitorioso liderado pelo PT, mesmo que trabalhe para relativiza-lo quando eleito. Que se manifeste ao mesmo tempo simpático e critico ao modelo petista. Que se apresente à população como alguém que pode assegurar razoável continuidade desse projeto imprimindo-lhe “nova” coordenação política, mais próxima aos atuais valores administrativos disseminados pelos meios de comunicação da mídia privada: ética, para combater a corrupção; e gestão eficiente que volte a priorizar a classe media, atacando os modernos problemas evidenciados nas grandes cidades.

A única liderança que pode se apresentar dessa forma para a população do país hoje é o governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Ele é a bola da vez para setores da oposição, embora não seja a opção numero um para o PSDB. A mídia já o coteja como grande figura política. Já há reportagens de meios como o “Estado de São Paulo” elogiando sua eficiência como gestor, seus números, sua capacidade (alias, elogiar os números incontestáveis do governo federal é ser chapa branca, mas rasgar elogios a governador de estado não é?). Até agora, Eduardo e a oposição apenas ensaiam um namoro, mas daqui a 2 anos podem trocar alianças.

A questão é saber ate que ponto o PSB irá se pautar pela busca puramente pragmática de poder, colocando conscientemente em risco o projeto vitorioso em curso das forças da centro esquerda do país. O PSB terá que explicar que candidatura é essa, a que interesses políticos ela responde, como ela supera enquanto alternativa politica a importância do projeto liderado pelo PT e ate onde se afasta dos grupos políticos que tentam se afirmar como antagonistas do projeto petista, projeto, alias,  que o PSB abraçou e sob as bênçãos do qual, diga-se de passagem, cresceu e se popularizou.

Cabe saber qual a posição do PSB enquanto força política de centro esquerda importante do país, pois a depender do nível de compromisso ideológico do excelentíssimo senhor governador de Pernambuco, as respostas a essas questões estão já a meio caminho.

Seja qual for a opção da oposição para a próxima eleição, sua força eleitoral hoje não amedronta, e parece que ela deverá passar mais 6 anos apenas tentando, de alguma forma, viabilizar um caminho que nos leve de volta à servidão.